José Sócrates condenou hoje as declarações do Presidente de Angola, general João Lourenço, que recorreu ao exemplo do antigo primeiro-ministro português para comentar o caso judicial que envolve o ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, e exigiu respeito.
José Sócrates, numa declaração enviada à Lusa., diz: “As comparações despropositadas que o Presidente da República de Angola fez na entrevista ao jornal Expresso [e à Lusa] ofendem-me profundamente. Não conheço o senhor Presidente, não faço parte do seu círculo de amigos e lamento ter de lhe recordar que me é devido o mesmo respeito que sempre dispensei aos estadistas angolanos com os quais convivi. Espero que não seja necessário voltar ao assunto”.
Em causa estão as palavras de João Lourenço sobre o caso do antigo vice-presidente de Angola, cujo processo foi remetido por Portugal para as autoridades angolanas. O presidente angolano realça que se tratou de “um caso de soberania” e que não foi Angola que provocou o que ficou conhecido como “irritante” entre os dois países.
“Foram as autoridades judiciais portuguesas que entenderam levar à barra dos tribunais [portugueses] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualmente, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (…) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas”, referiu o general João Lourenço, dono do reino de Angola.
O Ministério Público português imputou a Manuel Vicente crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento, um processo que foi remetido em 2018 para Angola, mas que se tem arrastado, segundo o procurador-geral angolano, Hélder Pitta Gróz, devido à imunidade de que gozava o antigo vice-presidente.
João Lourenço preferiu não comentar em concreto o caso, que “está na justiça”, mas disse esperar que os órgãos judiciais façam “a parte que lhes compete”, escusando-se a abordar a relação que mantém actualmente com o antigo homem forte da Sonangol, já que, segundo disse, está “absorvido 24 sobre 24 horas” com as questões do Estado.
O nome de José Sócrates foi ainda citado por João Lourenço em resposta a uma pergunta sobre os processos em torno de Álvaro Sobrinho, o empresário luso-angolano e antigo director do Banco Espírito Santo em Lisboa e do banco BES Angola (BESA).
“Ele não foi julgado, não foi condenado, se ele aparecer aqui não vou virar-lhe as costas com certeza, até prova em contrário é um cidadão livre”, respondeu, acrescentando: “Na Europa, não é normal pedirem-se contas aos chefes de Estado sobre casos de corrupção, ninguém pergunta ao Presidente Marcelo sobre o caso José Sócrates. No entanto, às vezes entende-se que em África é diferente, particularmente em Angola”.
De Sócrates a Massamá, do Largo do Rato ao Futungo
O governo do MPLA está satisfeito com o governo português dirigido por António Costa e apadrinhado por Marcelo Rebelo de Sousa. Bem vista a história, todos os governos lusos fizerem tudo para agradar ao MPLA. Nos tempos mais recentes a farra começou com José Sócrates, passou pelo “africanista de Massamá” (Passos Coelho) e continua com António Costa.
A frase “estão a sair melhor do que a encomenda” mantém plena actualidade. Vejamos. José Eduardo dos Santos perdeu um velho amigo, José Sócrates, mas encontrou na dupla Passos Coelho/Paulo Portas novos amigos que continuaram não só a considerá-lo um “líder carismático” como ainda abriram mais as portas que existem e as que não existem à entrada triunfal do seu clã.
De facto, tal como José Sócrates, tal como Passos Coelho, também o actual governo português não está interessado em que o MPLA alguma vez deixe de ser dono de Angola. O processo de bajulação continua a bem, dizem, de uma diplomacia económica que – neste caso – se está nas tintas para os angolanos. Tudo, como dizia o António que não era Costa mas Salazar, a bem da Nação… deles.
Embora já não tendo, como no tempo de Sócrates ou mesmo de Passos Coelho, tantos ditadores para idolatrar, o governo português continua a querer dar-se bem com os que existem, sobretudo com aqueles que têm dinheiro para ajudar a flutuar as ocidentais praias lusitanas.
Paulo Portas, que até foi excepcionalmente recebido pelo então dono de Angola (Eduardo dos Santos), acreditava que o importante para Portugal são os poucos que têm milhões e não, claro, os milhões que têm pouco… ou nada. E tinha razão. Mudou o rei em Angola, mudou o primeiro-ministro e o Presidente da República em Portugal, mas o MPLA/Estado continua firme. Está firme há 48 anos e promete festejar o centenário…
A Portugal interessam apenas aqueles angolanos que representam 40% do mercado de luxo português, que vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna, que compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
Quanto aos outros, aos 20 milhões de pobres, que têm a barriga vazia, que vivem nos bairros de lata, que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com… fome, esses que se lixem.
E se Paulo Portas dizia que as relações com Angola eram excelentes, é porque eram mesmo. E se Assunção Cristas considerava positiva a relação do CDS-PP com MPLA, é porque estavam no bom caminho.
Como muito bem podem testemunhar o PS, o PCP, o PSD, IL, BE, Chega, as relações com o MPLA são tão excelentes como o facto de 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. Tão excelentes como Angola ser um dos países mais corruptos do mundo.
São tão excelentes como a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. São tão excelentes como o facto de 80% do Produto Interno Bruto ser produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada ser subtraída do erário público e estar concentrada em menos de 0,5% de uma população.
São tão excelentes como a certeza de que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Como se já não bastasse a crónica e velhinha (com curtos intervalos começou logo em Abril de 1974) bajulação de Lisboa ao regime do MPLA, os portugueses continuam agora a assistir a novos episódios da mesma bajulação, embora com diferentes protagonistas.
Parafraseando José Sócrates, não basta ser primeiro-ministro ou ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros para saber contar até doze sem ter de se descalçar… Mas, é claro, ser do governo é suficiente para, por ajuste directo, entregar ao dono de Angola tudo o que ele quiser. Espera-se, aliás, que queira tudo e mais alguma coisa.
Folha 8 com Lusa